domingo, 6 de dezembro de 2015

SOBRE O TEMPO E OS RITOS DE PASSAGEM PARA A “VIDA ADULTA”



Obra de Salvador Dali


O tempo parece ser relativo. Por exemplo: da infância até a adolescência, o tempo parece passar muito devagar. Os finais de semana demoram a chegar. As férias de verão, então, não chegam nunca. Outro exemplo: em um jogo de futebol importante (ou de basquete), se a diferença de placar é apertada, o tempo para o time que está ganhando passa muito vagarosamente. Para o time que está perdendo o tempo passa rapidamente.

O tempo também pode ser considerado inexorável. Ele nunca cede ou se abala diante de súplicas e rogos. Implacavelmente passa. As pessoas às vezes fazem tolas tentativas de retardar seus efeitos, muitas vezes por questões estéticas. Essas tentativas, porém, normalmente produzem resultados efêmeros e na maioria das vezes, à médio prazo, se revelam desastrosas.
 
É difícil monitorar a passagem do tempo. Desde a pré-história a humanidade ficava deslumbrada pela sucessão dos dias e noites. Passou, então, a utilizar as fases da Lua como referência. A noção do conceito de Ano, porém, só apareceu concomitantemente com o desenvolvimento da agricultura, entre 10 e 12 mil anos atrás. Independentemente do desenvolvimento de calendários, na prática o tempo escoa sem que as pessoas percebam. Eventualmente, quando se dão conta, mais da metade da vida útil já passou.

O tempo passa e de repente uma pessoa chega ao final da idade escolar. Em torno de 17 anos.

Em nossa sociedade, no extremo sul do Brasil, essa época tem a força de um ritual de passagem para a vida adulta. As meninas algumas vezes simulam esse ritual antes disso, aos 15 anos. Os rapazes não.

Antigamente, para os rapazes, muitas vezes essa cerimônia de passagem para a vida adulta se dava no momento em que ele fazia a caça e o abate do primeiro animal. Ligadas, portanto, ao derramamento de sangue, essas cerimônias significavam a integração daquela pessoa como membro produtivo da tribo.

Isso é só um exemplo. Variadas cerimônias marcavam a passagem para a idade adulta.

Entre os nativos norte-americanos, algumas tribos praticavam um rito onde a pele do peito dos jovens guerreiros era trespassada por espetos e repuxada por cordas. A dor e o sangue derramado eram, dessa forma, considerados como uma retribuição à Terra das dádivas que a tribo recebera até ali.

As tribos que vivem perto do rio Sepik em Papua Nova Guiné usam a tradição das cicatrizes para mostrar que seus meninos se tornaram homens. A cerimônia pede que o jovem seja cortado nas costas, na barriga e nas nádegas, em padrões que deixem cicatrizes elaboradas que imitem a pele de um crocodilo. Além disso, durante semanas a paciência do rapaz é testada sendo constantemente humilhado por outros homens.

Em outro local do planeta, a cerimônia de passagem começa com os jovens que passarão pelo teste fazendo jejum de comida e de bebida e se privando de sono por quatro dias seguidos. Depois eles são perfurados e pendurados pelos furos em uma tenda. Para aumentar a dor, suas pernas são presas a um tipo de peso, que puxa o candidato a guerreiro para baixo. Eles devem ficar assim até desmaiar. Depois que acordar, ele deve sacrificar o dedo mindinho de cada mão e, feito isso, correr pela praça da aldeia várias vezes.

Quando um menino se torna um homem, é motivo de celebração para a tribo Xhosa da África do Sul. O abakwetha (o iniciado) é barbeado e um banquete é oferecido para ele. Depois ele é levado para uma cabana nas montanhas que será sua casa pelas próximas semanas. Sem nenhuma preparação, o “cirurgião” aparece e realiza o procedimento de remoção do prepúcio e depois o rapaz é deixado sozinho até “se curar”. A lâmina usada na cirurgia, por si só, representa um grande risco, já que é usada para vários homens sem nenhum processo de limpeza, podendo causar infecções e transmissão de DSTs. Um dos maiores medos dos meninos que vão passar pela iniciação é ouvir que o garoto que veio antes dele teve que ser hospitalizado.

Em outro local de nosso planeta, para que um menino passe a ser considerado um homem ele deve confeccionar um chicote da forma que ele produza um “efeito” muito dolorido. Depois ele deve enfrentar com sua arma um outro companheiro que também está passando pelo rito de iniciação em uma luta que será assistida por toda a aldeia. Seu objetivo é acertar com mais força o oponente e gemer o menos possível quando ele é acertado.

A tribo Matausa, de Papua Nova Guiné, acredita que se seus meninos não passarem pela iniciação de sangue, eles sofrerão as consequências pelo resto de suas vidas – ele nunca será visto como um guerreiro e não terá vigor e nem força. Por essa razão os rapazes ficam ansiosos para passar pelo rito, mesmo sabendo o quão horrível ele será. Primeiro eles precisam tirar do corpo qualquer influência feminina que tenha vindo de suas mães. Então eles enfiam pedaços de madeira na garganta para induzir o vômito até que toda a comida no seu estômago seja eliminada. Depois pedaços de cana são introduzidos no nariz do candidato a guerreiro para que ele elimine, também, outras influências ruins. No fim, sua língua é apunhalada diversas vezes. Se ele suportar tudo isso, é considerado um guerreiro da tribo, completamente purificado.

Na Amazônia Brasileira a tribo Satere-Mawe é considerada dona de um dos mais dolorosos ritos de passagem do mundo, graças à formiga 24. A formiga é conhecida por esse nome pelas 24 horas de dor horrível que quem sofre a sua picada passa. Além da dor, a vítima sofre com vômitos, náusea e arritmia cardíaca. Isso só com uma picada. Mas os Satere-Mawe não se contentam com pouco. Cerca de 30 formigas são embebidas em água até que fiquem inconscientes. Depois uma luva de folhas, carvão e formigas é construída. Quando acordam as formigas ficam desesperadas tentando se libertar e, é nessa hora, que o iniciado veste duas luvas de formigas, agüentando inúmeras picadas. Durante o ritual, ele e os membros da tribo cantam para distrair o futuro guerreiro da dor. Depois do ritual ele vai sofrer com as conseqüências das picadas por dias a fio, mas no fim será considerado um guerreiro da tribo

Etc.

Todas essas cerimônias tinham um significado comum: marcavam pontos de desprendimento. Velhas atitudes eram abandonadas e novas deviam ser aceitas.

Claro que nas sociedades modernas as passagens se dão de forma muito mais suave e com grau de simbolismo bem menor. Em alguns casos, inclusive, não há essa passagem e as algumas pessoas ficam misturando atitudes infantis e adultas durante boa parte da vida.

De qualquer forma, essa época é um dos períodos da vida mais significativos, que não será esquecido jamais.

Omar Rösler
Dezembro de 2015



Observação: as informações sobre ritos de passagem incluídas neste texto tiveram origem em vários sites da internet.

2 comentários:

  1. Esse texto pode parecer dar ênfase a uma maior importância dos homens em relação às mulheres. De fato pode parecer assim porque, originalmente, escrevi pensando em meu filho que completará 18 anos no início de 2016. Para mim mulheres e homens, homens e mulheres, têm o mesmo valor e deveriam ter os mesmos direitos, o que não acontece atualmente na sociedade. Essa igualdade de direitos é uma grande luta na qual me engajo e que está ainda, infelizmente, longe de terminar.

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  2. http://www.geledes.org.br/adolescencia-rituais-africanos-que-marcavam-os-jovens-guerreiros/?utm_source=Atualiza%C3%A7%C3%A3o+Di%C3%A1ria+Geled%C3%A9s&utm_medium=email&utm_campaign=d0c3e59c46-RSS-NEWS-Portal-Geledes&utm_term=0_b0800116ad-d0c3e59c46-354164481

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