quarta-feira, 15 de agosto de 2012

A vitória do 'bundamolismo'



Gusttavo Lima e menina machucada e feliz mostram que o 'bundamolismo' venceu

Regis Tadeu

Uma das coisas mais interessantes da minha profissão é que a velhice que se aproxima cada vez mais da porta do meu apartamento dá uma vontade incontrolável de deixar de lado a visão restrita de um determinado assunto e tentar enxergar as coisas de uma maneira mais ampla, profunda e racional. Principalmente em um mundo em que tudo envelhece muito rápido e que a estupidez virou uma benção para grande parte da humanidade.

Mesmo assim, algumas situações — ou "notícias", se preferir — me deixam perplexo.

Veja o caso do tal Gusttavo Lima, sucessor de Luan Santana na categoria "faça sucesso entretendo gente debilóide sem ter um pingo de criatividade musical". O sujeito, sabe-se lá por qual motivo, resolveu quebrar uma guitarra em cima do palco em um show em Bauru (SP) — na verdade, um megaevento para 40 mil pessoas que reuniu também atrações do quilate de Jorge e Mateus, Michel Teló e do próprio Luan Santana, entre outros - e jogar os pedaços na plateia. Acabou atingindo uma menina de 10 anos, que teve que ser levada a um hospital com cortes na cabeça.

Depois de atendida, a garota foi levada de volta ao local do show, quando foi apresentada ao "cantor", que lhe deu um CD autografado. E a moçoila saiu de lá feliz da vida, a ponto da família da garotinha — que chegou a registrar boletim de ocorrência por lesão corporal culposa, ou seja, sem a intenção de machucar — ter mudado de ideia no dia seguinte e mandado confeccionar uma faixa com a frase "Gusttavo, eu te amo" e colocado o tal pano na porta de casa.

Que raio de mundo é este?

Nem vou questionar o que fazia uma criança desta idade em um show deste porte. Hoje em dia, pais negligentes são totalmente reféns de crianças cada vez mais mimadas e arrogantes. Junte isto a uma fiscalização que beira a desonestidade e o cenário de estupidez está completo. Também não vou comentar a respeito da lavagem cerebral a qual jovens incultos e criados com a ausência de regras básicas de educação são submetidos via TV e internet.

Só que há uma pergunta que não me sai da cabeça: O que teria levado o tal "cantor" a quebrar uma guitarra em cima do palco? Não saber o que fazer com ela é uma hipótese bem provável, mas eu creio que o tal "cantor" tenha protagonizado a última pá de cal em cima de um cadáver que já cheira mal há muito tempo: a rebeldia transgressora que mudou o mundo nos últimos anos.

Quando Pete Townshend e o The Who quebravam todos os seus equipamentos ao final dos shows, quando Jimi Hendrix botou fogo em sua guitarra no festival de Monterey, quando Jerry Lee Lewis fazia o mesmo com seu piano quando estava entupido de álcool, o que estava em jogo em cada ato aparentemente tresloucado era a necessidade de mostrar que a sociedade em que vivíamos estava passando por mudanças comportamentais, sociais e políticas que batiam de frente contra o conformismo e a obediência cega às autoridades.

Hoje em dia, quando vejo bandas de rock quebrando guitarras em cima do palco, sinto uma "vergonha alheia" imensa justamente porque tal ato se transformou em algo puramente cênico, que provoca a mesma catarse histérica de uma convenção de escoteiros. Imagine o que você sentiria se visse o tal Gusttavo Lima fazendo o mesmo perante uma plateia com zero grau de audácia transgressora. É, o 'bundamolismo' venceu.

O que o tal "cantor" e a menina machucada e incrivelmente agradecida fizeram foi esfregar na nossa cara uma verdade sem volta: a cada dia que passa, mais e mais pessoas se entregam ao nefasto e persuasivo ato de esquecer de si próprias, como se a alienação fosse uma "virtude" — para não dizer "necessidade" - social. Para muitos, é mais fácil e seguro ser uma besta alegre e sorridente.

Vivemos no meio de uma geração de pessoas "românticas" que não sabem sequer como dar um abraço sem produzir uma baba retardada, manifestada verbalmente em frases prontas extraídas de livros de autoajuda ou por intermédio de olhos vidrados pela babaquice explícita. Milhões de pessoas se parecem como lagartixas felizes.

Há muitas formas de ser feliz sem tentar blindar o espírito, colocando um insulfilm na alma. Só vamos conseguir exterminar a nuvem negra da ignorância que cobre este planeta no momento em que começarmos a recusar tudo aquilo que nos é oferecido, quando deixarmos de ter a boca molhada pela saliva da gratidão e transformarmos a nossa indignação em atitudes.

Enquanto houver gente que prefere colocar uma venda nos olhos, lacrar o coração e cultivar a estupidez, seremos apenas um monte de babacas...

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