quarta-feira, 24 de junho de 2009

Entenda a MP 458, prestes a ser sancionada pelo presidente Lula


Fabrícia Peixoto
Da BBC Brasil em Brasília

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva deve sancionar, nos próximos dias, a Medida Provisória 458, que prevê a regularização de terras na Amazônia Legal.

A expectativa do governo é de que, com a regulamentação das posses, os órgãos de fiscalização tenham maior facilidade para identificar e punir eventuais crimes ambientais na região.

O tema tem sido motivo de polêmica. Os ambientalistas veem falhas na MP e pediram ao presidente Lula que vete alguns pontos do texto, que foram incluídos pelos deputados.

Entenda o que está por trás da MP 458.

O que é a Medida Provisória 458?

A Medida Provisória 458 trata da regularização de terras na Amazônia Legal, abrindo a possibilidade de que os posseiros formalizem juridicamente seu direito a essas propriedades.

As propriedades de terra com até um quilômetro quadrado (100 hectares), que representam 55% do total dos lotes, serão doadas aos posseiros. Quem tiver até 4 quilômetros quadrados (400 hectares) terá de pagar um valor simbólico, e os proprietários com até 15 quilômetros quadrados (1,5 mil hectares) pagam preço de mercado.

Os posseiros interessados em adquirir as terras precisam ainda atender a algumas condições, entre elas, ter na propriedade sua principal fonte econômica e ter obtido sua posse de forma pacífica até dezembro de 2004.

Após a transferência, o proprietário terá ainda de cumprir certas obrigações, como por exemplo, recuperar áreas que tenham sido degradadas. Pelo Código Ambiental, pelo menos 80% de cada propriedade na Amazônia deve ser preservada.

Qual o objetivo do governo com a MP?

O principal argumento em torno da Medida Provisória 458 é de que a regularização fundiária tornará mais fácil o trabalho de fiscalização e punição a eventuais desmatadores.

O governo diz que as ações de concessão de terras na Amazônia Legal estão interrompidas desde os anos 1980, “o que intensifica um ambiente de instabilidade jurídica, propiciando a grilagem, o acirramento de conflitos agrários e o avanço do desmatamento”.

O argumento é de que, ao transferir definitivamente essas propriedades aos posseiros, os órgãos de fiscalização poderão identificar e responsabilizar essas pessoas, caso seja constatado algum crime ao meio ambiente.

De acordo com as estimativas do governo, há 67 milhões de hectares de terras da União sob tutela de pessoas que não têm a documentação desses imóveis. Essa área representa 13,4% da Amazônia Legal e corresponde a pouco mais do que os Estados de Minas Gerais e Rio de Janeiro juntos.

Estima-se ainda que 300 mil famílias, em 172 municípios, possam ser beneficiadas com a Medida Provisória.

Quais são os pontos polêmicos da Medida?

Alguns pontos do texto original da MP 458 já vinham sendo alvo de críticas dos ambientalistas. No entanto, foram as mudanças inseridas pelos deputados, durante a tramitação do tema na Câmara, que levantaram maiores polêmicas.

Um dos pontos incluídos prevê a transferência da posse não apenas a pessoas físicas, mas também a empresas.

Além disso, a Câmara aprovou a ampliação do direito de posse a pessoas que não vivem na propriedade. Ou seja, pessoas que têm a posse, mas que exploram a terra por meio de prepostos (terceirizados ou empregados).

Os deputados entenderam também que era necessário dar maior flexibilidade ao direito de revenda dessas propriedades.

Pelo texto original, os novos donos poderiam vender as terras somente após 10 anos da regulamentação. Os deputados, porém, incluíram uma emenda, permitindo que as propriedades acima de 400 hectares sejam vendidas após três anos.

Quais são os argumentos favoráveis a esses pontos?

De acordo com o deputado Asdrubal Bentes (PMDB-PA), relator da matéria, se a transferência de posse não fosse estendida à exploração indireta e às empresas, “a regularização da maior parte dos imóveis rurais estaria inviabilizada”.

“Além disso, seria injusto e preconceituoso incluir o posseiro pessoa física e deixar de fora uma pequena propriedade ao lado, apenas porque é administrada por uma empresa”.

O deputado diz ainda que as pessoas jurídicas também terão de cumprir as pré-condições previstas na MP. “A empresa que tiver a posse de outra terra não poderá ser beneficiada”, diz.

Na avaliação de Bentes, a concessão a pessoas que não vivem na região atende a uma condição “histórica” do país.

“Muita gente foi para a região na década de 1970, com incentivos do governo. Não é porque deixaram um preposto lá tomando conta que devem ser penalizadas”, diz.

Quanto à redução do prazo para revenda dos imóveis maiores, o deputado diz que essas propriedades serão vendidas a preço de mercado. “Nesse caso, o valor será significativo. É justo que a pessoa possa revender a propriedade em um prazo menor”, diz.

Quais são os argumentos contrários a esses pontos?

Os ambientalistas argumentam que as modificações promovidas pelos deputados ferem o princípio “básico” da medida, que é a de considerar a “função social da terra”.

Um dos argumentos é de que a venda das terras após três anos da titulação irá atrair especuladores.

A senadora Marina Silva (PT-AC) diz que a possibilidade de titulação em nome de pessoas que não vivem na região representa a “legalização da grilagem”. Segundo ela, esquemas de falsificação de documentos com a utilização de prepostos têm sido comuns na região.

Além disso, de acordo com a senadora, a MP deixa brechas para titulações acima de 2,5 mil hectares. “Poderá haver titulação de 1,5 mil hectares a uma empresa e de outros 1,5 mil hectares ao sócio dessa mesma empresa”, diz Marina.

A senadora, que chorou durante a discussão da MP no Senado, enviou uma carta aberta ao presidente Lula pedindo que as modificações feitas pelos deputados sejam vetadas.

Um grupo de 37 procuradores da República que atua na região também engrossou o coro contrário à Medida Provisória.

Em documento enviado ao presidente Lula, eles alertam para os “problemas jurídicos e conflitos sociais que podem ser agravados em caso de sanção integral do texto”.

A medida terá algum impacto ambiental?

A MP 458 trata da regularização fundiária, mas um dos principais objetivos do governo com as novas regras é permitir maior controle sobre essas propriedades e, em consequência, sobre o desmatamento.

O governo espera que, com a regularização da posse, os órgãos responsáveis possam melhor identificar eventuais crimes ambientais. Dentre outras obrigações, os proprietários terão de cumprir a legislação ambiental, preservando 80% de suas terras.

No entanto, o pesquisador Paulo Barreto, da ONG Imazon, diz que a regularização fundiária – da forma como proposta pelo governo – pode ter um efeito contrário.

Barreto diz que a transferência das terras a preço abaixo do valor de mercado ou até de graça, como no caso das terras de até 100 hectares, significa um “estímulo” para novas invasões e a devastação no futuro.

“A medida pode até resolver um problema prático, de curto prazo, mas cria estímulos que são negativos. Fica a mensagem de que a invasão de terras e o desmatamento sempre serão anistiados”, diz.

Segundo ele, essa não é a primeira vez que o governo faz concessão de terras. “Ou seja, é um procedimento que vem se repetindo e que acaba estimulando as derrubadas e a impunidade”, diz.

O que acontece caso alguns pontos sejam vetados pelo presidente?

Como qualquer Medida Provisória, o texto original (de autoria do Executivo) já está valendo desde que foi publicado no Diário Oficial – nesse caso, desde fevereiro.

Já os itens vetados pelo presidente Lula voltam para o Congresso, para serem novamente apreciada pelos parlamentares.

Em tese, o Congresso pode derrubar o veto presidencial e, assim, fazer valer sua vontade. Na prática, porém, dificilmente os vetos são derrubados. Muitas vezes não chegam nem a ser apreciados – seja pela baixa prioridade da matéria diante de outras tantas ou mesmo por questões políticas.

Portanto, é bastante provável que o texto final da Medida Provisória 458 seja o sancionado pelo presidente Lula.

Nenhum comentário:

Postar um comentário