sábado, 4 de abril de 2009

O império das 1000 bases


Antes de lerem este artigo, tentem responder a esta pergunta: Quantas bases militares têm os Estados Unidos noutros países?: a) 100; b) 300; c) 700; ou d) 1000.

por Hugh Gusterson [*]

De acordo com a própria lista PDF do Pentágono , a resposta é de cerca de 865, mas se incluirmos as novas bases no Iraque e no Afeganistão é de mais de mil. Estas mil bases constituem 95 por cento de todas as bases militares que todos os países do mundo mantém em território de outro país. Por outras palavras, os Estados Unidos estão para as bases militares como a Heinz está para o ketchup.

Antigamente, o colonialismo praticado pelos europeus consistia em conquistar países inteiros e administrá-los. Mas isso era deselegante. Os Estados Unidos foram os pioneiros numa abordagem mais requintada para um império global. Conforme diz o historiador Chalmers Johnson ,

"A versão americana da colónia é a base militar". Os Estados Unidos, diz Johnson, tem um "império de bases".

Este 'império de bases' dá aos Estados Unidos um alcance global, mas o modelo deste império, na medida em que inflecte para a Europa, é uma relíquia alargada e anacrónica da Guerra-fria".

Estas bases não saem baratas. Excluindo as bases americanas no Afeganistão e no Iraque, os Estados Unidos gastam cerca de 102 mil milhões de dólares por ano para manter as suas bases além-mar, segundo Miriam Pemberton do Instituto de Estudos Políticos. E em muitos casos é preciso perguntar qual é a sua finalidade. Por exemplo, os Estados Unidos têm 227 bases na Alemanha. Talvez isso fizesse sentido durante a Guerra-fria, quando a Alemanha estava dividida ao meio pela cortina de ferro e os políticos americanos tentavam convencer os soviéticos de que o povo americano veria num ataque à Europa um ataque a si próprio. Mas numa nova era em que a Alemanha foi reunificada e os Estados Unidos se preocupam com pontos de conflito inflamáveis na Ásia, na África e no Médio Oriente, faz tanto sentido que o Pentágono mantenha 227 bases militares na Alemanha como os correios manterem uma frota de cavalos e diligências.

Afogada em tinta vermelha, a Casa Branca precisa desesperadamente de cortar despesas desnecessárias no orçamento federal, e o congressista de Massachusetts, Barney Frank, Democrata, propôs que o orçamento do Pentágono fosse reduzido em 25 por cento. Quer se ache ou não que o número de Frank é politicamente realista, as bases militares são certamente um alvo lucrativo para o machado do corte orçamental. Em 2004, Donald Rumsfeld calculou que os Estados Unidos podiam poupar 12 mil milhões de dólares se fechasse umas 200 bases no estrangeiro. Isso também teria um custo político relativamente baixo visto que os locais que se podem ter tornado economicamente dependentes das bases são estrangeiros e não podem retaliar em eleições americanas.

Mas essas bases estrangeiras parecem invisíveis quando os cortadores do orçamento olham de esguelha para o orçamento proposto pelo Pentágono de 664 mil milhões de dólares. Reparem no editorial de 1 de Março do New York Times , "O Pentágono enfrenta o mundo real" . Os editorialistas do Times pediram "coragem política" à Casa Branca para cortar no orçamento da defesa. Sugestões? Cortar com o caça F-22 da força aérea e com o destróier DDG-1000 da marinha, reduzir os mísseis defensivos e o Sistema de Combate Futuro do exército para poupar 10 mil milhões de dólares por ano. Tudo boas sugestões, mas então e as bases no estrangeiro?

Apesar de os políticos e os especialistas dos meios de comunicação parecerem esquecidos destas bases, tratando o posicionamento de tropas americanas espalhadas pelo mundo inteiro como se fosse um facto natural, o império americano de bases está a atrair cada vez mais a atenção de académicos e activistas – como demonstrado por uma conferência sobre as bases estrangeiras americanas na Universidade Americana no passado mês de Fevereiro. A NYU Press [Imprensa da Universidade de Nova Iorque] acaba de publicar The Bases of Empire: The Global Struggle Against U.S. Military Posts (As Bases do Império) de Catherine Lutz, um livro que reúne académicos que estudam as bases militares americanas e activistas contra essas bases. A Rutgers University Press publicou Military Power and Popular Protest (O Poder Militar e o Protesto Popular) de Kate McCaffrey, um estudo dobre as bases americanas em Vieques, no Porto Rico, que foram fechadas perante os protestos maciços da população local. E a Princeton University Press está para publicar Island of Shame (A Ilha da Vergonha) de David Vine – um livro que conta a história de como os Estados Unidos e a Grã-Bretanha acordaram secretamente deportar os habitantes da ilha Diego Garcia, no arquipélago de Chagos, para as Maurícias e para as Seychelles para que a sua ilha pudesse ser transformada numa base militar. Os americanos foram tão cuidadosos que até gasearam todos os cães dos chagossianos. Os chagossianos não foram autorizados a apresentar o seu caso nos tribunais dos Estados Unidos mas ganharam o processo contra o governo britânico em três julgamentos, acabando por ver o julgamento vencido no supremo tribunal do país, a Câmara dos Lordes. Estão agora a apelar para o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos.

Os dirigentes americanos dizem que as bases no estrangeiro cimentam as alianças com nações estrangeiras, sobretudo através do comércio e de acordos de ajuda que acompanham frequentemente as rendas das bases. Mas os soldados americanos vivem numa espécie de imitação da América nas suas bases, vêem a TV americana, ouvem o rap e o heavy metal americanos e comem a fast food americana, a fim de que os rapazes do campo e os putos da rua, para ali transplantados, tenham pouca exposição a outro modo de vida. Entretanto, do outro lado da cerca de arame farpado, os residentes e comerciantes locais ficam muitas vezes dependentes dos soldados e defendem que eles ali se mantenham.

Estas bases podem tornar-se pontos de inflamação de conflitos. As bases militares normalmente descarregam lixo tóxico nos ecossistemas locais, como em Guam onde as bases militares provocaram nada menos de 19 locais extremamente poluídos. Esta contaminação gera ressentimento e por vezes movimentos sociais extremamente explosivos contra as bases, como aconteceu em Vieques nos anos 90. Os Estados Unidos utilizaram Vieques para exercícios de bombardeamento ao vivo 180 dias por ano, e em 2003, na altura em que os Estados Unidos se retiraram, a paisagem estava atulhada de metralha explodida e por explodir, de esferas de urânio empobrecido, de metais pesados, petróleo, lubrificantes, solventes e ácidos. Segundo activistas locais, a taxa de cancro em Vieques era 30 por cento mais alta do que no resto de Porto Rico.

Também é inevitável que, de tempos a tempos, os soldados americanos – muitas vezes embriagados – cometam crimes. O ressentimento que estes crimes provocam ainda é mais exacerbado pela frequente insistência do governo americano de que esses crimes não sejam julgados nos tribunais locais. Em 2002, dois soldados americanos mataram duas raparigas adolescentes na Coreia quando se dirigiam para uma festa de aniversário. Os veteranos da Coreia afirmam que este foi um dos 52 000 crimes praticados por soldados americanos na Coreia entre 1967 e 2002. Os dois soldados americanos foram imediatamente repatriados para os Estados Unidos a fim de fugirem ao julgamento na Coreia. Em 1998, um piloto fuzileiro cortou os cabos de um teleférico em Itália, matando 20 pessoas, mas os oficiais americanos detiveram-no e recusaram-se a permitir que as autoridades italianas o julgassem. Estes e outros incidentes semelhantes prejudicam as relações dos EUA com importantes aliados.

Os ataques de 11/Set são, sem dúvida, o exemplo mais espectacular do tipo de ricochete que pode gerar-se a partir do ressentimento local contra as bases americanas. Nos anos 90, a presença de bases militares americanas junto dos lugares sagrados do Islão sunita na Arábia Saudita encolerizou Osama Bin Laden e proporcionou à Al Qaeda uma poderosa ferramenta de recrutamento. Os Estados Unidos, sensatamente, fecharam as suas maiores bases na Arábia Saudita, mas abriram outras bases no Iraque e no Afeganistão que se estão a tornar rapidamente em novas fontes de atrito na relação entre os Estados Unidos e os povos do Médio oriente.

Este 'império de bases' dá aos Estados Unidos um alcance global, mas o modelo deste império, na medida em que inflecte para a Europa, é uma relíquia alargada e anacrónica da Guerra-fria. Muitas destas bases são um luxo que os Estados Unidos já não podem aguentar numa época de défices orçamentais recordes. Além disso, as bases estrangeiras americanas têm uma face dupla: projectam o poder americano por todo o globo, mas também inflamam as relações externas dos EUA, gerando ressentimentos contra a prostituição, os danos ambientais, os pequenos crimes, e o etnocentrismo comum que são o seu corolário inevitável. Esses ressentimentos forçaram recentemente o encerramento de bases americanas no Equador, em Porto Rico e no Quirguistão, e se o passado é apenas um prólogo, podemos esperar no futuro mais movimentações contra as bases americanas. Acredito que, dentro dos próximos 50 anos, assistiremos ao aparecimento de uma nova norma internacional segundo a qual as bases militares estrangeiras serão tão indefensáveis como a ocupação colonial de um outro país passou a ser nos últimos 50 anos.

A Declaração da Independência critica os britânicos "por posicionar grandes corpos de tropas armadas entre nós" e "por protegê-los, através de julgamentos fantoches, da punição por quaisquer crimes que cometam contra os habitantes destes Estados". Belas palavras! Os Estados Unidos deviam começar por levá-las a peito.
18/Março/2009

[*] Hugh Gusterson é professor de antropologia e sociologia na George Mason University. É especialista em cultura nuclear, segurança internacional e antropologia da ciência. Acompanhou um considerável trabalho de campo nos Estados Unidos e na Rússia, onde estudou a cultura de cientistas de armas nucleares e de activistas anti-nucleares. Dois dos seus livros encerram este trabalho: Nuclear Rites: A Weapons Laboratory at the End of the Cold War (University of California Press, 1996) e People of the Bomb: Portraits of America's Nuclear Complex (University of Minnesota Press, 2004). Também foi co-autor de Why America's Top Pundits Are Wrong: Anthropologists Talk Back (University of California Press, 2005); tem em preparação uma sequência, The Insecure American. Anteriormente foi professor no Programa sobre Ciência, Tecnologia e Sociedade, do MIT.

O original encontra-se em http://www.globalresearch.ca/index.php?context=va&aid=12785

Tradução de Margarida Ferreira.

RESISTIR

Obrigado Herlon.

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