sexta-feira, 21 de novembro de 2008

David Bowie: um caso de amor com Berlim


"Helden" (Heroes) é o título do novo livro de Tobias Ruether sobre o período em que o camaleão do rock, David Bowie, viveu na capital alemã, onde lançou três álbuns. DW-WORLD.DE conversou com o autor sobre seu trabalho.

No fim dos anos 70, David Bowie – um dos maiores astros do rock mundial – habitava um apartamento relativamente simples em Berlim. Os três álbuns lançados neste período são considerados uns dos mais inovativos de sua carreira e um deles inclui a canção mais diretamente associada ao Muro de Berlim. Mas a aventura de Bowie em Berlim não começou de forma tão promissora.

DW-WORLD.DE: David Bowie estava acabado quando se mudou de Los Angeles para Berlim em 1976.

Tobias Ruether: Seu estilo de vida tinha chegada a um clímax. Ele consumia muitas drogas e levava a vida intoxicada que as pessoas imaginam para uma estrela do rock. Ele sempre quis ir à América e gostou muito da experiência, até se dar conta de que ela não lhe fazia bem nenhum à saúde. Tudo isso combinado com um interesse pelo obscuro, como muitos astros do rock tinham na época. Ele era apaixonado pelo sobrenatural. Em algum momento, acordou e, das brumas de suas alucinações, começou a surgir um destino – um lugar onde tentaria salvar a si próprio. Esse lugar era Berlim.

Como você descreve no início do seu livro, Bowie também mantinha uma fascinação doentia pelo facismo.

Isso era parte de sua alucinação. Ele disse na época que Hitler tinha "encenado um país". E, na megalomania narcótica de quem se via como um messias do rock'n'roll, reconheceu um reflexo de si mesmo em Hitler. Certa vez, ele disse: "Eu teria sido um excelente Hitler". Mais tarde, confessou que não estava no total controle de suas faculdades mentais.

Berlim o curou dessa fascinação. Como era a cidade na metade dos anos 70?

Era o ponto onde os dois lados da Guerra Fria colidiam como em nenhum outro lugar. Quando chegou, em 1976, o muro existia há apenas 15 anos. A situação estava sob controle, mas ainda era o lugar onde os dois sistemas se confrontavam. Por outro lado, Berlim Ocidental era como uma ilha muito bem financiada. Tinha algo de idílico. Quem lá viveu conta, por exemplo, que nunca havia congestionamentos. Mas era, ao mesmo tempo, cercada pela mais perigosa situação no mundo desde o fim da Segunda Guerra Mundial. Foi essa estranha mistura que tanto o inspirou.

Como você caracterizaria as diferenças entre a música de Bowie antes da mudança para Berlim e os três álbuns que compôs na cidade: Low, Heroes e Lodger?

Nos Estados Unidos, Bowie era obcecado por black music, funk e soul. Mas, no último álbum que lançou nos Estados Unidos (Station to Nation, de 1976), a faixa-título já continha elementos da estética repetitiva que apareceria, mais tarde, nos discos produzidos em Berlim. A diferença radical é que Station to Station lembra Frank Sinatra, com um estilo crooner. Low (1977), seu primeiro disco na capital alemã, é um disco conceitual, que quebrou com todos os formatos tradicionais do rock. No lado B, no qual Bowie não canta, essa ruptura é decisiva. Imagine David Bowie, um famoso intérprete de canções, simplesmente pára de cantar. Esta é a quebra mais radical que se podia imaginar nos anos 70. Nenhum outro artista do seu nível fez algo parecido.

Mas seu maior sucesso em Berlim foi "Heroes", um hino melodramático que não fala de alienígenas ou de astronautas, mas de dois amantes se beijando no Muro de Berlim. Até que ponto o notavelmente irônico Bowie quiz dizer algo sério com essa música?

Acho que o conceito de "dizer algo sério" não se aplica a Bowie. Como disse a ele mesmo na época: "Isso é o mais próximo que você chegará de David Bowie". Também disse que quem compunha os álbuns "poderia" talvez ser David Bowie. A conexão com Ziggy Stardust e com Space Oddity é que "Heroes" é grandioso. Os protagonistas são outsiders como Major Tom e acho que são uma metáfora para a vida à margem da sociedade. É uma canção sobre o Muro, mas não é uma música de protesto. Fala sobre duas pessoas que se encontram voluntariamente no muro pois é lá que celebram seu amor. É provável que Bowie simplesmente gostasse da imagem.

Berlim foi o lugar onde mais se sentiu livre, disse o camaleão do popFalando de amor, Bowie amou Berlim ou este é outro conceito que não pode ser vinculado a ele?

Acho que ele se sentia muito, muito bem em Berlim. Ele disse muitas vezes depois que se sentiu mais livre em Berlim do que em qualquer outro momento de sua vida. Ele veio de Los Angeles, um lugar onde todos o conheciam, e na Alemanha o deixaram em paz. Ele conta que, em Los Angeles, sua paranóia chegou ao ponto de não poder mais andar pelas ruas sem pensar que "David Bowie está andando pelas ruas". Ele começou a pensar em si mesmo na terceira pessoa. Em Berlim, ele se encontrou novamente e, ao mesmo tempo, tinha todas as coisas que o fascinaram desde criança: pintura, filme, Expressionismo – a "velha Europa", por assim dizer. Mas não sei se é amor. Ele vive desde 1978 em Nova York. Talvez seja melhor dizer que ele teve um caso com Berlim.

Seu livro é menos uma cronologia e mais uma meditação sobre o período em que Bowie vivieu em Berlim. Por que você optou escrever dessa forma?

Não queira escrever uma biografia clássica ou um livro de música pop. Tentei esclarecer um pouco a figura de Bowie com todas as referências e as coisas que o influenciaram durante sua permanência em Berlim. Queria colocá-lo de volta nos anos 70. Minha intenção não era escrever um livro só para fãs de pop, mas mostrar Bowie pelo que ele é – um artista pop absolutamente radical. Não quis mostrá-lo como alguém que pudesse ser explicado apenas através de sua música. Ele permanece um mistério para mim – mesmo depois de 220 páginas.

Jefferson Chase, para Deutsche Welle

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