sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Na fria noite de Berlim

Dali:

Luiz Paulo de Pilla Vares foi um dos melhores homens que conheci, um dos mais brilhantes jornalistas que vieram à letra, uma pessoa cheia de fragilidades e de encantos, mas numa combinação de inteligência e sensibilidade que a poucos foi dado viver. Amou o amor, amou seu povo, amou o futuro. E o socialismo, que ele nunca abandonou.

Flávio Aguiar

Na fria noite de Berlim, eu recebo a notícia: Luiz Paulo se foi “para o país do eterno olvido”, como dizia o grande poeta gaúcho Aureliano de Figueiredo Pinto.

Luiz Paulo de Pilla Vares (assim conheci seu nome, nem sei se era o exato), um dos melhores homens que conheci, um dos mais brilhantes jornalistas que vieram à letra, uma pessoa cheia de fragilidades e de encantos, mas numa combinação de inteligência e sensibilidade que a poucos foi dado viver.

Luiz Paulo carregava com ele aquela luz do amanhecer das culturas. Tinha também o crepúsculo doído dos que sofreram na vida, a gente via no seu olhar. Mas era tudo pelo mais melhor de bom, porque se Luiz Paulo tinha alguma qualidade, era a de que ele era o mais melhor de bom.

Nunca vi coração mais largo. Se teve estreitezas, que jogue a primeira pedra quem nunca teve alguma. Luiz Paulo era bonito. Carregava naqueles olhos claros a esperança de um mundo possível, cheio de coisas boas. O socialismo do Luiz Paulo era o melhor que a gente podia ter. Era um socialismo cheio de democracia, cheio de povo, cheio de gente contente, nada de burrocracias, nada de totalitarismos, nada de donos da verdade, nada de donos de campinho.

A última vez que vi Luiz Paulo foi na Casa de Cultura Mário Quintana, em 2002. Brindamos um café juntos. Foi um brinde olho no olho, sem dúvidas nem problemas. Lembramos dos tempos em que morávamos na mesma Porto Alegre, aquela dos bondes e do Guaíba rumorejando nos nossos ouvidos, nas frias noites de inverno ou nas cálidas manhãs de verão.

Lembramos de nossos sonhos de ter um cinema generoso que retratasse o nosso Rio Grande de modo criativo, nem deprê, nem eufórico. Luiz Paulo era o melhor de nós, era o que de melhor havia em nós, povo gaúcho entregue às lides e às margens das fronteiras, aos rudes falares contra o vento, às cerrações de outono e das ditaduras, aos punhais de inverno que cortavam nossos junhos e nossos corpos e espíritos nos cárceres.

Contra tudo, Luiz Paulo erguia seu peito pequeno, mas amplo como um céu estrelado. Naquele dia, na Casa de Cultura, Luiz Paulo vestia sob o paletó um colete cinzazul, estava frio, nem tanto, mas o suficiente para que aconchegássemos as golas sobre os pescoços. Ele me falou de seus projetos de secretário e de vida. Luiz Paulo era um homem de projetos, ele era um projeto, era um projeto do homem do futuro.

Luiz Paulo era um homem de coragem, como diz o Ney Matogrosso, um homem com h. Eu sei que ele amou profundamente a vida e na vida. Amou o amor, amou seu povo, amou o futuro. E o socialismo, que ele nunca abandonou.

Luiz Paulo, os antigos povos do pampa acreditavam que as almas dos bravos corriam pela esteira da Via-Láctea, em que eles viam uma extensão dos nevados píncaros dos Andes, atrás de uma linda ema simbolizada pelo Cruzeiro do Sul.

Sei que lá estás, correndo eternamente atrás de teus ideais. Que são os nossos. Reza por nós. Reza de ateu vale mais.

Flávio Aguiar é editor-chefe da Carta Maior.

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