sexta-feira, 18 de abril de 2008

“A Argentina é um laboratório a céu aberto”


CARTA MAIOR:

Segundo Marie-Monique Robin, depois do “paro” agrário argentino, promovido fundamentalmente pelos grandes produtores de soja do país, o latifúndio sojeiro deveria ser a principal questão de debate para a sociedade. A Argentina está ameaçada pela soja, disse a jornalista e documentarista à Carta Maior.

Clarissa Pont

RESISTÊNCIA, Argentina – Marie-Monique esteve esta semana na cidade argentina de Corrientes para apresentar o documentário de 2004, "Os esquadrões da morte - a escola francesa" e participar dos processos contra militares locais que atuaram durante a ditadura militar. No entanto, em Resistência, a jornalista francesa falou sobre o “paro” agrário, a produção de soja transgênica em países da América Latina e sobre seu novo documentário, fruto de três anos de investigação, “Le monde selon Monsanto” (O Mundo segundo a Monsanto). O documentário e o livro homônimo contam o avanço do plantio de soja pelo mundo e as perigosas ligações da indústria com governos, cientistas e jornalistas.

O Rio Paraná divide as duas capitais de províncias argentinas, de um lado está Corrientes e do outro, Resistência, no Chaco. Marie-Monique percorreu os poucos minutos que separam as cidades para apresentar trechos de ambos documentários no Museu de Imprensa de Resistência. Na ocasião, falou à Carta Maior. “A soja transgênica chegou ao país por uma debilidade, para não dizer outra palavra, do Governo Menem. A Monsanto entrou no país sem nenhuma lei que regulamentasse o plantio, sem estudos, sem nada. No Paraguai, é a mesma situação”, explica.

Hoje, mais da metade da área agricultável da Argentina está coberta pelas sementes transgênicas da Monsanto, regularmente pulverizadas desde aviões por Roundup. “Muitos campesinos estão deixando o campo porque seus cultivos são fumigados, as frutas que comemos aqui estão contaminadas pelo veneno da Monsanto. É terrível, e o governo ainda não entendeu o risco”. Marie-Monique contou que entrevistou o presidente da Federação Agrária em 2006 para a realização do documentário.

“É lamentável o que os grandes produtores estão fazendo aqui. A eles não interessa o futuro da terra. O fato de Eduardo Buzzi ter apoiado o paro assusta um pouco, porque quando eu o entrevistei ele estava preocupado com a situação do país”. Os últimos dados que constam nas documentações de Marie-Monique confirmam que a produção de arroz e de legumes baixou de modo significativo nas terras argentinas.

“Le monde selon Monsanto”, lançado junto a um livro de mesmo nome, ainda não tem previsão de chegar ao Brasil. Segundo a autora, uma editora nacional estaria começando a traduzir a publicação apenas. “Através das patentes da Monsanto, o que se pretende é tomar as sementes do mundo. Por desgraça, a Argentina é, nesse momento, um laboratório a céu aberto”. O documentário ainda cataloga ações da Monsanto para divulgar estudos científicos duvidosos que apóiam suas pesquisas e produtos. Segundo dados da jornalista, em 2007, havia mais de 100 milhões de hectares plantados com sementes geneticamente modificadas, metade nos EUA e o restante em países emergentes como a Argentina, a China e o Brasil.

O documentário anterior de Marie-Monique mostra entrevistas realizadas por ela onde militares argentinos reconhecem ter aplicado técnicas de tortura e de desaparecimento importadas da França durante a Ditadura no país. Com entrevistas, imagens de arquivo e documentos, “Os esquadrões da morte” relata como os franceses ensinaram aos militares da América Latina métodos de tortura desenvolvidos na Argélia e na Indochina. Os depoimentos dos generais argentinos Ramón Díaz Bessone, Reynaldo Bignone e Albano Harguindeguy são impactantes e têm ajudado na incriminação de diversos algozes da Ditadura Argentina.

Quando perguntada como conseguiu que os generais lhe concedessem tais entrevistas, Marie-Monique não deixa sombra de dúvida. “Eu enganei esses senhores”, responde. O documentário é resultado de dois anos de trabalho.

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